


Diatomácea, um organismo ubíquo
As diatomáceas (Bacillariophyceae) são um grupo de microalgas com cerca de 300 gêneros e entre 10 e 12 mil espécies, sendo conhecidos também diversos táxons fósseis. Esses pequenos organismos são quase sempre autótrofos, porém algumas poucas espécies são heterótrofas, além disso, as diatomáceas são unicelulares e as vezes ficam reunidas em colônias. As diatomáceas podem ser epilíticas (desenvolver-se sobre rochas), epífitas (crescer sobre outra planta ou alga), epizoóicas (crescer sobre animais), cavernícolas, viver sobre detritos flutuantes, nos sedimentos ou na neve, e existem também formas simbióticas (zooxantelas) presentes em corais.
Além do mais, as diatomáceas ocupam diversos hábitats, principalmente os aquáticos, estando, portanto, amplamente distribuídas na natureza. Podem ser bentônicas ou planctônicas, viver em águas doces, salobras ou marinhas, paradas ou correntes, e até serem terrestres (caso exista uma umidificação periódica). Geograficamente falando, quase todas as diatomáceas são cosmopolitas, isto é, possuem uma grande distribuição em diferentes oceanos, havendo apenas localidades particulares para poucos níveis taxonômicos menores, como espécies ou gêneros. À exceção das bactérias, as diatomáceas são provavelmente os organismos aquáticos de distribuição mais ampla, sendo componentes-chave dos ecossistemas marinhos, pois contribuem expressivamente para a produtividade primária dos oceanos. Um exemplo disso é que elas são responsáveis por aproximadamente metade da produção primária dos oceanos e perto de ¼ do carbono fixado globalmente. Não só isso, elas também servem de alimento para outros organismos, em geral, animais aquáticos, pois as diatomáceas também fazem parte do fitoplâncton: comunidades de algas unicelulares que vivem livres na coluna d'água em ambientes aquáticos, sendo um pilar da base das cadeias tróficas. Por outro lado, algumas diatomáceas produzem ácido domoico (uma neurotoxina), que além de se acumular na cadeia alimentar, pode causar a morte de leões-marinhos, aves marinhas, peixes, mariscos e até de seres humanos.
As diatomáceas possuem frústulas, que são as suas paredes celulares (ou seja, todo o envoltório da célula), impregnadas por sílica (SiO2). Essas paredes possuem um formato curioso: uma das metades é maior que a outra, sobrepondo-se à menor nessa conexão. Essas metades da parede celular são chamadas de valvas, que podem ser nomeadas pelos seus tamanhos: a maior sendo a epivalva e a menor, hipovalva. Uma das características observadas na diferenciação de espécies é a ornamentação das frústulas, ou seja, o padrão de deposição da sílica como, por exemplo, as estriações ou pontuações. Posto isto, existem dois formatos comuns de diatomáceas: as cêntricas, com simetria radial (ou axial, angular) e as penadas, com simetria bilateral. Inclusive, essa diferenciação é utilizada comumente para classificar as duas ordens de Bacillariophyceae: as Centrales (Biddulphiales) e as Pennales (Bacillariales), respectivamente. As diatomáceas cêntricas, por apresentarem uma razão superfície/volume maior que as formas penadas e, consequentemente, flutuarem mais facilmente nas correntes, são mais abundantes que as diatomáceas penadas em grandes lagos e ambientes marinhos.
A reprodução nas diatomáceas ocorre majoritariamente de forma assexuada, por meio de uma divisão celular binária (semiconservativa). Essa multiplicação celular vegetativa inicia com a separação das frústulas e depois com a divisão da célula, a partir daí cada uma das frústulas da célula parental se comporta como uma epivalva (valva maior), dessa forma gerando para cada célula filha uma hipovalva (valva menor). Após diversas divisões celulares, o tamanho das diatomáceas na população descendente diminui, o que só é possível até um limite fisiológico, ou seja, no qual a diatomácea ainda consegue sobreviver naturalmente. A solução de algumas populações de diatomáceas para essa diminuição de tamanho em níveis críticos, é a reprodução sexual, que também pode ser desencadeada por mudanças nas características físicas do ambiente. Assim, há a formação de um zigoto (auxósporo) que cresce, secreta uma frústula e se transforma em um grande auxósporo, o que resulta em células do tamanho máximo da espécie novamente. Quando elas morrem, tudo se decompõe, menos sua frústula silicosa, essa apenas sedimenta até o fundo do corpo d’água e eventualmente, o conjunto dessas paredes pode resultar em diatomitos.
As diatomáceas são muito importantes para a reciclagem biogeoquímica do silício. Não só isso, o diatomito ou terra de diatomáceas é um tipo de rocha sedimentar silicosa que é gerada pela sedimentação de restos de frústulas de diatomáceas em fundos de lagos ou mares, que podem ser explorados quando aquele trecho do fundo é exposto ou até quando coletam a terra utilizando barcos. Esse tipo de rocha é muito utilizado comercialmente, possuindo diversas aplicações, como: fabricação de cosméticos, produtos para polimento, abrasivos, isolamento térmico, tijolos, filtros industriais, preenchimento em tintas, vernizes etc. As diatomáceas, igualmente em razão da alta capacidade conservativa das carapaças silicosas que possuem, são também utilizadas pela Paleoecologia na reconstrução de ecossistemas passados.
Em razão da ampla diversidade de diatomáceas e, por conseguinte, das diferentes predileções e adaptações para os hábitats, elas também são muito úteis na verificação da poluição de ambientes aquáticos. Dessa forma, analisa-se a biodiversidade da flora de algas presentes naquele corpo d’água e verifica-se as modificações ecológicas dessas populações em comparação a outros momentos, por exemplo, se diminuíram as espécies encontradas ou não, podendo-se, a partir desses dados, inferir a qualidade dessa água.
Uma aplicação curiosa desses organismos é na área forense, no qual o teste de diatomáceas consiste na análise dos órgãos de um cadáver que foi encontrado em um corpo d’água para verificar se há a presença de diatomáceas (as que são encontradas no local), sugerindo, caso haja, que a morte se deu por afogamento, ou seja, que durante o momento da morte a vítima aspirou a água ao seu redor. Assim, caso sejam encontradas diatomáceas na corrente sanguínea, pulmão, cérebro ou na medula óssea (regiões comumente analisadas nesse teste), esse fato caracterizaria uma evidência de afogamento e descartaria o fato de que talvez o cadáver da vítima tenha sido apenas descartado no corpo d’água.
Uma outra aplicação seria no design, onde as diatomáceas contribuem desde a área da nanotecnologia até em construções civis, pois os formatos desses organismos são muito úteis para a inspiração de tais projetos. São também utilizadas como indicadores estratigráficos em exploração petroleira, no esverdeamento de ostras, como alimento em aquacultura (maricultura, por exemplo), entre outros usos.
Em conclusão, as diatomáceas, mesmo presentes constantemente no meio ambiente e em nossas próprias vidas, não são tão conhecidas pela população em geral, mas agora espero que você saiba um pouquinho mais sobre esses organismos fascinantes!
REFERÊNCIAS
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Laura da Silva Ribeiro de Souza, 2023